Relações entre sistema educacional e o mundo do trabalho

          A concepção do senso-comum de que a falta de qualificação profissional é a razão do desemprego do trabalhador, traduz a miopia da sociedade capitalista acerca das disfunções do próprio sistema. As injustiças são produzidas no meio social, reproduzidas no ambiente escolar e perpetuadas no ambiente profissional. Os marcantes processos de exclusão são frutos adoecidos da precarização das condições de existência, o modelo educacional fica restrito a um papel compensatório através da manutenção da ideia de que todos devem estar capacitados para cooperar dentro das relações de produção, mantendo assim as condições de dominação e exploração.

          Tal processo é explicado por Saviani (2007, p. 8) ao descrever o advento da Revolução Industrial, in verbis:


A universalização da escola primária promoveu a socialização dos indivíduos nas formas de convivência próprias da sociedade moderna. Familiarizando-os com os códigos formais, capacitou-os a integrar o processo produtivo. A introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica, mas impôs um patamar mínimo de qualificação geral, equacionado no currículo da escola elementar. Preenchido esse requisito, os trabalhadores estavam em condições de conviver com as máquinas, operando-as sem maiores dificuldades.


          O autor complementa a fundamentação afirmando que foi a partir do desenvolvimento da sociedade de classes, nas suas formas escravista e feudal, consumou a separação entre educação e trabalho. Afirma ainda que tal situação deu-se em razão da própria determinação do processo de trabalho. Logo foi o modo como se organiza o processo de produção –portanto, a maneira como os homens produzem os seus meios de vida – que permitiu a organização da escola como um espaço separado da produção. Como consequência desse processo, nas sociedades de classes a relação entre trabalho e educação tende a manifestar-se na forma da separação entre escola e produção (SAVIANI, 2007).

          Na afirmação de Saviani, de que os homens produzem seus meios de vida, temos um ponto crucial de discussão, a dimensão ontológica do trabalho na espécie humana. Antunes (2009, p.136) ensina que:


O trabalho constitui-se como categoria intermediária que possibilita o salto ontológico das formas pré-humanas para o ser social. Ele está no centro do processo de humanização do homem. [...] O fato de buscar a produção e a reprodução da sua vida societal por meio do trabalho e luta por sua existência, o ser social cria e renova as próprias condições da sua reprodução.


          Tomando-se por base o conjunto de conceitos discutidos até aqui entendemos ter sido possível contextualizar a importância do trabalho e sua relação com a educação, no entanto julgamos que além de buscar a compreensão acerca da origem dos problemas na relação educação/trabalho, temos o dever de contribuir na busca de caminhos para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

          Sem a pretensão de solucionar o problema, mas com a clara consciência de que esta é uma via que tem o potencial para buscar a consolidação das políticas de geração de emprego e renda, de desenvolvimento científico e tecnológico, representando assim uma estratégia para o desenvolvimento socioeconômico, queremos contextualizar o “Trabalho como princípio educativo” trazendo-o para o debate como tema central dessa pesquisa.

          Destaca-se inicialmente o pensamento de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 2) ao assinalarem que,


O trabalho como princípio educativo vincula-se à própria forma de ser dos seres humanos. Somos parte da natureza e dependemos dela para reproduzir a nossa vida. E é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a natureza em meios de vida. Se essa é uma condição imperativa, socializar o princípio do trabalho como produtor de valores de uso, para manter e reproduzir a vida, é crucial e “educativo”.


          Os autores explicam ainda que o trabalho é a estrutura fundante de um novo tipo de ser, de uma nova concepção de histórica. A consciência moldada por esse agir prático, teórico, poético ou político impulsiona o homem em sua luta para modificar a natureza. A consciência é a capacidade de representar o ser de modo ideal, de colocar finalidades às ações, de transformar perguntas em necessidades e de dar respostas a essas necessidades. (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005).

          O exercício de reflexão a partir da perspectiva do Trabalho como Princípio Educativo permite a verificação da importância da participação ativa dos sujeitos educandos, através de uma ação educativa mediada, dialogada, repensada e transformada dialeticamente, na construção dos saberes, respeitando-se a experiência formativa individual e coletiva dos sujeitos, permitindo a incorporação dos conhecimentos construídos na vida cotidiana como forma de enfrentar e superar os desafios impostos por uma sociedade injusta e desigual no que se refere especialmente à relação trabalho e educação.

          Complementarmente Kuenzer (1989, p.23) afirma que,


A medida que, na sociedade contemporânea, a ciência se faz técnica e esta se complexifica, ou, as atividades se fazem complexas e a teoria se faz operativa, trabalho e ciência, antes dissociados, voltam a formar uma nova unidade através da mediação do processo produtivo, exigindo uma nova concepção da história e da sociedade que unifique ciência, técnica e cultura. Em decorrência exige-se um novo princípio educativo para a escola em todos os níveis, que tome o trabalho como ponto de partida, concebido como atividade teórico/prática, síntese entre ciência, técnica e humanismo histórico.


          Desse modo, compreende-se que a adoção do Trabalho como Princípio Educativo pode representar um novo contexto na realidade enfrentada pelos trabalhadores possibilitando uma formação plena a partir da apropriação de conceitos necessários para a intervenção consciente na realidade e para a compreensão do processo histórico de construção do conhecimento.

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